Perda de Memória – Ailton Tenório

Por em 13 de abril de 2020

Muito se tem comentado e discutido sobre a revolução que a fotografia digital está causando.
De um lado os “tradicionais, puristas ou até mesmo ultrapassados” como costumam chamar os do outro lado, que são os “modernos, avançados ou digitais” simplesmente.
Quando o Luiz, nosso presidente, me pediu para escrever um artigo sobre a Fotografia Digital, fiquei pensando muito tempo sobre o que escrever. Nesse período chegamos a fazer algumas palestras sobre essa nova tecnologia e percebi mais uma vez a grande confusão que ela está fazendo no mundo fotográfico.
O que era eterno e garantido, parece que de repente foi tudo mudado. Até os valores dos equipamentos, que mesmo usados mas em bom estado, ainda valiam muitos reais, isso está mudando. Afinal, quem vai querer uma Canon, Nikon ou uma outra câmera convencional qualquer? Até o nome, convencional, já é pejorativo.
Assim fiquei pensando e analisando muito antes de iniciar esse artigo. E essa introdução toda é para dizer que não vou falar de pixel, resolução ou histograma. Nem Kb, Mp, CCD ou JPG.
Como esse é um clube de fotógrafos, acredito que tem um assunto muito mais importante para ser comentado, discutido, criticado e debatido: a questão da memória fotográfica.
O que mais me preocupado com a popularização das digitais é essa questão. O que vai acontecer com essas imagens, virtuais, que estão a todo instante sendo produzidas? Onde essas imagens (nem vou chamar de foto ainda) estão sendo guardadas, armazenadas?

Memória Familiar
Acredito que para a imensa maioria, a fotografia é mais um registro histórico e familiar. É um documento de identidade familiar, onde as futuras gerações conhecerão os hábitos, as pessoas, os parentes, enfim, a vida regressa da família.
Quem nunca passou minutos, até horas, folheando fotos antigas, amareladas, buscando em cada detalhe, em cada cena, uma informação sobre seus antepassados, sobre a vida de seus pais e avós?
Quem nunca ficou indagando os “mais velhos” sobre os personagens e os lugares retratados nas fotografias guardadas em caixas de sapato?
Mas agora temos as digitais. Que estão sendo armazenadas em HDs de microcomputadores, em CDs, CDRs, CDRWs, ou, para os mais modernos e avançados (tecnologicamente e financeiramente) em DVDs.
E esse é meu receio. É tudo virtual, é tudo não palpável sem energia elétrica, sem um equipamento de exibição, sem uma interface.
Para demonstrar como esse assunto é sério, vou criar umas situações.

1. Você está lá remexendo no baú de coisas antigas de sua família e, entre as fotos P&B, todas muito bem conservadas, você encontra uma lata de um rolo de filme tipo de cinema, aparentemente 8mm ou Super8. Começa a desenrolar o filme e nos fotogramas consegue visualizar a cena de um casamento. Pela data escrita na etiqueta quase apagada você percebe que deve ser o casamento de seus pais. E você nem sabia que isso existia!!! Conversando com eles, confirma que são realmente cenas do casamento, que um tio mais abastado fez para eles. Mas como eles nunca tiveram um projetor de cinema, você nunca viu essas imagens. E como você vai vê-las hoje?
2. Seu pai se lembrou que um amigo fez a conversão do filme para uma fita de vídeo-cassete, embora na sua casa ainda não tinha esse aparelho. Isso foi na década de 70 ou 80, ele não se lembra bem. Remexendo nesse baú, você encontra a fita e, feliz, vai correndo ao vídeo-cassete, que quase foi aposentado depois que você comprou o DVD. Ao abrir a caixa da fita, estranhou o formato: não cabia no vídeo. Uma inscrição o deixou na dúvida: Betamax – Sony. O que é isso?
3. Retornando ao mesmo baú, você acabou encontrando uns disquetes 5¼”. Você se lembra que anos atrás, no entusiasmo de uma nova tecnologia e usando um “scanner” de um amigo, digitalizou dezenas de imagens de sua turma (as fotos não eram suas) e as gravou em formato JPG nesses disquetes. Você até se lembra de umas cenas, da ida ao estádio de futebol, do carrão do seu amigo etc. Pensou em rever as imagens, mas onde tem um microcomputador que lê os “disquetões” de 5¼ ”?

Esses são uns exemplos fictícios que muito bem mesmo poderiam ter acontecido, apesar da raridade das situações. Mas acredito que essa nova tecnologia, a fotografia digital, vai levar muitas, mas muitas pessoas mesmo, a sentir essa perda de seu histórico familiar.
Como disse no início, atualmente os meios mais comuns de arquivar essas imagens são os CDs, em todas as suas variações, e mais raramente, ainda pelo preço, em DVDs.
Mas da mesma forma que o filme Super8, o formato Betamax da Sony, o disquete 5¼ ”, o CD vai acabar um dia. Aliás, a própria Sony já confirmou que no meio deste ano está deixando de produzir os “drives” de CD, ou seja, os leitores de CDs dos microcomputadores. E a Sony é a maior fabricante desse periférico. E sabe o porque ela vai deixar de produzir? Por que o leitor de DVD, que também lê CD, já está no mesmo preço de custo. Então para que produzir um equipamento de leitor de CD, se pelo mesmo valor, tenho um leitor de CD e DVD?
Só que isso me leva a pensar nas novas tecnologias que virão por aí nos próximos anos. Será que não vai aparecer um novo padrão de DVD, incompatível com o CD? Ou uma “esfera holográfica” que terá a capacidade de armazenar terabytes de informações em seu interior?
E aí, anos depois de você já ter enviado seu DVD de 4 geração ao sistema de reciclagem municipal, percebe que tem dezenas de CDs com imagens retratando anos de sua vida e de sua família mas que nunca foi impresso em papel fotográfico. Centenas ou milhares de imagens virtuais, que não podem ser mais acessadas.
De uma forma ainda pior que a descoloração das fotografias ou do envelhecimento das P&B, esse registro histórico está lá, conservado (sem entrar no mérito da vida útil do CD ou DVD), mas inalcançável.
Já escutei alguns especialistas dizendo que a nossa geração, apesar dos maiores avanços tecnológicos, será uma geração sem memória, pois todos os registros familiares não serão acessíveis sem um equipamento próprio para isso. A não ser instituições e entidades que armazenarão suas imagens em sistemas continuamente atualizados, a grande maioria da população sofrerá com o sucateamento tecnológico.

Solução tradicional
Qual é a solução, você já deve estar me perguntando.
Além de ir continuamente e sacerdotamente fazendo back-ups e “upgrades” nas mídias, acredito que ainda a melhor opção para você guardar suas lembranças, tanto das fotos dos aniversários, como das viagens anuais de férias, como as fotos dos familiares ou seus “artísticos” é ainda levar os CDs num minilab e pedir cópias 10×15 cm.
Mesmo que os papeis fotográficos coloridos tenham uma vida estimada de 25, 35 ou, quem sabe, 50 anos, é melhor ter uma imagem desbotada do que uma virtual na mão.
Nada melhor que um álbum fotográfico rodando numa mesa junto com copos de cerveja (ou refrigerante para os não alcoólicos) e batatas fritas.
Não precisa de bateria, luz-solar ou energia elétrica. Aceita até umas gotas da cerveja em cima, ou um copo de água derramado, sem perder a classe. São visualizadas sem perca de tempo ou minutos da Internet…
E seus filhos poderão vê-las, quando remexerem no baú e acharem os seus álbuns nas caixas de sapatos!

Ailton Tenório
Fotógrafo Publicitário
Consultor em Imagem Comercial e Professor de fotografia convencional e digital

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